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quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Filmes: "BRAZIL, O FILME"

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FUTURO DO PRETÉRITO

Alegoria ácida sobre a perda da humanidade numa sociedade totalitária e consumista, mistura "1984" e "O Processo" com toques do Monty Python. 

- Por André Lux, jornalista e crítico-spam

Lá pelo final de 1985, os executivos da Universal Pictures, preocupados com o possível fracasso de um filme que produziram e estavam para distribuir nos EUA, marcaram uma reunião urgente com o seu realizador durante a qual pediram pouca coisa: que ele reduzisse a metragem, trocasse a trilha sonora orquestral por outra com canções pop e, especialmente, mudasse a conclusão amarga para um típico happy end hollywoodiano, do tipo "o amor vence tudo". 

Essas mudanças iriam, na opinião deles, tornar o filme muito mais comercial, garantindo seu sucesso. O cineasta explicou então, na sua característica maneira pouco ponderada, que o filme deveria ficar do jeito que havia sido idealizado, caso contrário ele iria botar fogo nos negativos!

A cena narrada acima pode parecer o delírio de algum comediante, mas ela aconteceu de verdade - infelizmente. O filme em questão chama-se "Brazil", e o diretor, Terry Gilliam. 

Insatisfeitos com o resultado final do terceiro longa-metragem do ex-integrante do grupo Monty Python, o qual consideraram pesado e amargo demais para os padrões aceitos pelo público dos EUA, os executivos da Universal decidiram que "Brazil" deveria ser reeditado e transformado em um filme mais "aventuresco" e "leve". 

Dos originais 142 minutos de projeção, que foram lançados pela Fox sem problemas na Europa e em outras partes do mundo (como o Brasil), Gilliam concordou em reduzir o filme em cerca de 20 minutos. Mas não foi o suficiente.

A Universal era liderada na época pelo infame Sid Sheinberg que, entre outros absurdos, foi o responsável direto pela destruição de "A Lenda", de Ridley Scott (que deixou o estúdio retalhar e mudar a trilha musical de seu filme) e pela aprovação do lamentável "Howard, O Pato", de George Lucas. Sheinberg, a exemplo do que acontece ao protagonista do próprio filme de Gilliam, tornou-se o "torturador particular" do cineasta, cercando-o de todas as formas possíveis (inclusive legais) para poder retirar o projeto das mãos dele a fim de torná-lo "mais comercial".

Versões e (in)Versões
Essa feroz batalha entre o artista e os engravatados da Universal (em mais uma reedição do clássico embate entre David e Golias) é uma das mais famosas e ilustrativas acerca de como funciona o sistema de produção em série da indústria cultural estadunidense. 

E ela está descrita, com riqueza de detalhes, ilustrações e depoimentos de todos os envolvidos, no excelente livro "The Battle of Brazil", de Jack Mathews, jornalista de Los Angeles que cobria a produção do filme na época. Mathews transformou seu livro em um documentário de uma hora de duração, que pode ser assistido no box de "Brazil", lançado pela The Criterion Collection na região 1, que traz nada menos do que três discos.

No primeiro disco, temos a versão de Terry Gilliam para o filme, com seus gloriosos 142 minutos de projeção, remasterizado digitalmente no formato widescreen 1.85:1, trazendo ainda uma faixa de áudio com comentários do diretor. No segundo, chamado de "The Production Notebook", encontramos vários making of, entrevistas com os roteiristas Tom Stoppard e Charles McKeown, com o compositor Michael Kamen (que utiliza na trilha de forma magistral trechos de "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso), storyboards, cenas raras da produção dos efeitos especiais, além é claro do excepcional documentário "The Battle of Brazil".

O material mais curioso, todavia, está contido no terceiro disco: nada mais do que a infame versão "Love Conquers All" ('O Amor Vence Tudo) de "Brazil", montada à revelia do diretor, trazendo meros 94 minutos de projeção e um ridículo happy end, que simplesmente detonam a obra em questão deixando-a totalmente sem sentido. 

Pior que essa grotesca (in)versão foi exibida nas televisões dos EUA, por anos a fio. Existe ainda um canal de áudio onde David Morgan, expert em Terry Gilliam, faz uma análise extremamente crítica de todas as alterações feitas.

Orwell encontra Kafka no circo do Monty Python
Quanto ao filme, trata-se de uma alegoria extremamente ácida e anárquica sobre a perda da humanidade frente a uma sociedade totalitária e cada vez mais repleta de burocracia e obcecada pelo consumismo. Trata-se de uma mistura de "1984", de George Orwell, com ''O Processo'', de Kafka, com toques do humor bizarro e non-sense próprios do sexteto inglês do qual Gilliam fazia parte, o Monty Python.

Além disso, o filme é premonitório do futuro catastrófico imposto ao mundo caso a doutrina neoliberal, que na época ainda estava em processo de implantação, fosse levada às últimas conseqüências. 

Reparem como o Estado retratado no filme é o sonho de qualquer defensor do neoliberalismo: enxuto, isento de qualquer responsabilidade social e praticamente restrito ao aparato policial de vigilância e repressão constante às classes mais baixas, mantido graças a um clima de medo e paranóia constante propagado pela mídia e por supostos ataques de "terroristas".

O protagonista dessa epopéia, interpretado brilhantemente por Jonathan Price, é Sam Lowry, um funcionário público apático e conformista, que passa acidentalmente a lutar contra o sistema depois que descobre que a mulher de seus sonhos existe e está marcada para morrer. 

É a típica trama do anti-herói forçado a agir, mesmo contra sua vontade, para conquistar seus desejos. Na sua aventura, ele conta ainda com a ajuda do engenheiro-de-calefação-autônomo e dublê-de-terrorista, Harry Tuttle (na pele de um Robert De Niro praticamente irreconhecível).

Só que catarse e redenção são palavras que não fazem parte do dicionário de Terry Gilliam, como Lowry vai descobrir dolorosamente no final. E a melhor explicação para essa filosofia de vida vem do próprio diretor: "Nós não damos respostas, apenas apontamos para o óbvio que ninguém quer ver, de um modo engraçado. E quando as pessoas pegam-se rindo daquilo, esperamos que elas pensem: 'Ei, eu não deveria estar rindo, isso é horrível!'".

Sobre o motivo do filme se chamar "Brazil", Gilliam explica: "Port Talbot é uma cidade de ferro, onde tudo é coberto por um pó cinza de metal. Até a praia é completamente coberta de pó preto. O sol estava se pondo e era realmente bonito. O contraste era extraordinário. Eu tinha essa imagem de um cara sentado nessa praia moribunda com um rádio portátil, sintonizando estranhas canções escapistas latinas como [Aquarela do] Brasil. A música o transportou de alguma forma e fez o seu mundo menos cinza".

Quanto ao desfecho da "Batalha por Brazil", o vencedor foi, em última instância, o nosso "David" da sétima arte, que passou a usar táticas de guerrilha para promover o lançamento de seu filme intacto, tais como patrocinar exibições piratas para estudantes e críticos de cinema, bem como tornar público o martírio pelo qual estava sendo obrigado a passar pela Universal - Gilliam chegou a pagar um anúncio de página inteira no jornal Variety com a seguinte mensagem: "Querido Sid Sheinberg. Quando você vai lançar meu filme 'Brazil'?". Em um outro momento, Gilliam mostrou uma foto do executivo em um programa de entrevistas do qual participava, e soltou no ar, ao vivo: "Esse é o homem responsável pela minha dor".

Mas tamanha audácia provou-se válida, tanto que o filme ganhou os principais prêmios da Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles (melhor Filme, Diretor e Roteiro) e acabou sendo lançado intacto (mas modestamente) nos cinemas dos EUA, dividindo público e crítica, fato que não incomodou em nada o cineasta. "Para algumas pessoas, meu filme foi o equivalente a um espancamento", diz Gilliam rindo. "Para outras, foi uma experiência maravilhosa. Perfeito. Eu não fiz o filme pensando em agradar alguém...". 

É certo que, depois desse evento notório e constrangedor, as políticas dos grandes estúdios, relativas a quem seria responsável pelo corte final dos filmes, nunca mais foram as mesmas.

Infelizmente, essa caixa com os três discos dificilmente será lançada no Brasil. Portanto, você precisará ter um bom dinheiro sobrando para colocar suas mãos nela. Mas, se tiver, certamente não vai se arrepender!

Por aqui, o filme foi lançada pela Fox (que detém os direitos de distribuição fora dos EUA) na versão normal sem cortes, mas desprovida de qualquer extra ou comentário (veja reprodução da capa à direita).

Cotaçâo: * * * * *
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terça-feira, 25 de setembro de 2007

Filmes: "DUNA" (Versão Estendida)


COLCHA DE RETALHOS

Novo corte do filme vale pela quantidade de cenas inéditas, mas como cinema é abominável

- Por André Lux, crítico-spam

Foi lançado no Brasil em DVD a Versão Estendida de ''Duna'', a polêmica adaptação para o cinema feita por David Lynch da gigantesca obra de Frank Herbert. O filme é de 1984 e custou uma fortuna para a época, algo em torno de US$ 60 milhões. Mas foi um tremendo fracasso de bilheterias, embora tenha virado cult.

Muitas razões foram levantadas para explicar o naufrágio do projeto, entre elas os sucessivos cortes na metragem que o produtor Dino de Laurentis obrigou Lynch a fazer. De um original de mais de 3 horas e 40 de projeção, ''Duna'' resultou numa salada indigesta e praticamente incompreensível de duas horas.

Somente aqueles que já conheciam o livro de Herbert puderam entender o que se passava na tela. Para o resto sobrou pouco mais do que os deslumbrantes desenhos de produção, o figurino belíssimo e a atuação precisa de um elenco excepcional. Ao menos o filme despertou em alguns a vontade de ler a obra original (meu caso), o que não deixa de ser um mérito.

Na tentativa de resolver esse problema, foi criada uma ''versão estendida'' do filme para ser exibida na TV na qual foram reincorporados cerca de 40 minutos de cenas inéditas, incluindo um prólogo que tenta explicar os acontecimentos anteriores aos abordados no filme, utilizando para isso uma narração sobre alguns parcos desenhos de produção.

Só que tudo isso foi feito à revelia de David Lynch, que abominou o resultado final e obrigou o estúdio a retirar seu nome dos créditos de roteirista e diretor, que ficaram sob a alcunha de ''Alan Smithee'' (nome fictício geralmente usado para substituir tais créditos). Mas Lynch estava correto. Essa chamada ''Versão Estendida'' nada mais é do que uma colcha de retalhos horrivelmente costurada.

Se a versão original era incompreensível, esta é intolerável. Os ''pais'' dessa versão simplesmente colaram as cenas inéditas entre as já existentes, sem respeitaram qualquer lógica ou fluidez. Os cortes são bruscos e as passagens entre as cenas são toscas. Às vezes a ação na tela é entrecortada por uma narração péssima e geralmente risível. No início, por exemplo, tentam ''apresentar'' os personagens por meio deste artifício e somos obrigados a ver um take fechado de um dos atores enquanto o ''voice-over'' nos explica monotonamente quem é aquela figura por longos minutos!

A montagem é tão lamentável que, de tempos em tempos, enfiam uma cena qualquer de uma nave voando que nada tem a ver com o que é mostrado, só para separar takes. A música do grupo Toto também é brutalmente mutilada, graças à inserção de faixas compostas para outras seqüências do filme no meio da que já estava sendo executada na trilha sonora. É um verdadeiro assalto aos sentidos. A imagem em ''fulscreen'' deforma totalmente os enquadramentos originais e é de qualidade ruim (parece ter sido tirada de um master em VHS). O som em stereo 2.0 também não é muito melhor.

Todavia, mesmo sendo uma tentativa abominável de remontar o filme, essa ''Versão Estendida'' certamente vale como curiosidade para quem gosta do filme original, já que traz diversas cenas nunca vistas antes. São de particular interesse o duelo entre Paul e Jamis, Gurney Halleck tocando seu ''baliset'', a morte do verme recém-nascido para a extração da água da vida, a introdução da governanta Shadout Mapes e a noite de amor entre o Duque Leto e Jessica quando concebem Alia.

Se você é fã do filme original de David Lynch, mas sempre teve vontade de ver as cenas que não foram incluídas na versão dos cinemas, então essa ''Versão Estendida'' certamente vai satisfazer a sua curiosidade. Mas saiba que, como cinema, é simplesmente ultrajante e ainda mais incompreensível do que o original.

Cotação: *

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

DVD: "O QUE VOCÊ FARIA?"

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A CORPORATOCRACIA EM AÇÃO

Quem já possui uma visão crítica acerca da atuação das transnacionais e do auto-destrutivo modelo neoliberal certamente vai se deleitar com a abordagem ácida e demolidora dessa obra.

- por André Lux, jornalista e crítico-spam

CartaCapital, a única revista semanal imprensa que ainda pratica jornalismo sério no Brasil, publicou na edição 452 uma reportagem sobre os absurdos que as empresas cometem contra candidatos a uma nova vaga de trabalho, muitas vezes submetendo-os a situações, no mínimo, humilhantes.

Depois de ler essa reportagem e tomar consciência desse fato, o filme “O Que Você Faria?” não parece assim tão absurdo. Embora algumas situações retratadas na obra sejam realmente exageradas (como o sexo no banheiro e as agressões físicas) e os personagens beirem o estereótipo, não existe ali compromisso com a realidade, mas sim com a construção de uma metáfora à loucura que tomou conta hoje do meio empresarial, especialmente das grandes corporações, onde a busca pelo lucro a qualquer preço e a exploração da mão de obra virou obsessão, com raríssimas e nobres exceções.

A verdade é que vivemos hoje numa ditadura do mercado, que alguns chamam ironicamente de “corporatocracia”, na qual a ordem mundial é dominada por meia dúzia de mega-empresas transnacionais que pairam acima de governos e estados democráticos, restando à grande maioria dos cidadãos alugarem suas forças de trabalho a elas em troca da sobrevivência diária. Acima de tudo isso, grupos de acionistas sem rosto e dirigentes absolutamente subservientes a eles dominam com mão de ferro esse sistema que, nas palavras do lingüista e ativista político Noam Chomsky, é o mais totalitário que existe – já que as ordens vêm de cima sem qualquer discussão, sobrando aos que estão abaixo a única opção de segui-las à risca sem questionamento.

“O Que Você Faria?”, uma co-produção entre Espanha, Argentina e Itália, mostra exatamente o processo de seleção para um alto cargo de direção de uma dessas multinacionais. Sete candidatos à vaga são reunidos em uma mesma sala para participarem da última etapa do processo, do qual apenas um restará. Neste ambiente inóspito, serão submetidos a um certo “método Grönholm”, que basicamente incitará os piores instintos de cada candidato na tentativa de eliminar os concorrentes.

O clima de paranóia é dobrado com a possibilidade de um deles ser um impostor, ou seja, alguém da empresa infiltrado na sala para observar mais de perto e manipular a ação dos outros. E tudo ainda pode estar sendo gravado com câmeras e microfones ocultos, numa assertiva alusão à sociedade “Big Brother” para a qual caminhamos cada dia mais, onde tudo e todos são constantemente monitorados e vigiados.

A intenção do roteiro de Mateo Gil e Marcelo Piñeyro, que é baseado em peça teatral de Jordi Galcerán, vai se tornando óbvia a partir que a trama avança e as primeiras vítimas do processo absurdo e degradante vão sendo feitas. Não por acaso, o candidato mais qualificado para o cargo e, também, o mais ético é o primeiro a ser praticamente linchado pelos outros competidores, que agem sempre sob a manipulação da corporação na forma de tarefas transmitidas a eles de modo impessoal e frio por meio de telas de computador. E, claro, o vencedor é justamente aquele que menos tem escrúpulos em destruir os adversários para atingir suas ambições.

Quem já possui uma visão crítica acerca da atuação desumana das transnacionais e do auto-destrutivo modelo neoliberal certamente vai se deleitar com a abordagem extremamente ácida e demolidora da obra, que melhora ainda mais com uma segunda leitura, quando já conhecemos melhor os personagens e o que cada um deles representa dentro do contexto em que estão inseridos.

Ironicamente e em paralelo à ação principal do filme, acontece uma grande manifestação nas ruas de Barcelona contra a atuação nefasta do FMI e do Banco Mundial sobre a economia global, sob o jargão de que "um outro mundo é possível". Por enquanto ainda é. Não se sabe até quando...

Cotação: * * * *
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